A convicção do Tribunal de primeira instância que condenou o ora requerente não pode ter-se baseado exclusivamente em provas produzidas em audiência de discussão e julgamento e nas regras gerais da experiência comum – como se depreende de toda a documentação que sustenta este processo de revisão.
Sobre esta matéria, e após a longa análise efectuada aos factos dados como “provados” e “não provados”, importa ainda salientar o seguinte:
1) Quanto ao revólver que se encontrava em cima do roupeiro – e referido à P.J. pelo ora requerente – deve ser recordado que o mesmo se encontrava na posse do requerente como garantia do pagamento de dívida de um cliente (ver a este propósito as declarações feitas à P.J. pela Ana Cristina na altura da detenção do requerente).
Quanto à faca e ao canivete tipo suíço, nada foi perguntado ao requerente em audiência de julgamento, pelo que não faz sentido declarar-se que o requerente “não justificou o motivo...” pelo qual o tinha na sua posse.
Quanto às duas descobertas “dos estupefacientes”, o requerente apenas se referiu em audiência de julgamento à segunda. Aliás, ao ler-se detalhadamente o Parágrafo 20 dos “factos provados”, verifica-se que, no tocante à primeira descoberta, ocorrida a 21 de Abril de 1994, o requerente nem sequer soube da sua existência (pelo que quem pode esclarecer essa descoberta são os elementos que nela estiveram envolvidos). Este facto é, aliás, corroborado pela circunstância de, sobre esta matéria, o requerente nunca ter sido chamado a depor na altura dessa ocorrência (note-se que essa droga só apareceu na acusação do Procº em causa volvidos cerca de 28 meses sobre essa descoberta). Quanto à segunda descoberta, o requerente apenas informou o Douto colectivo acerca de como os factos se produziram (tal como é referido no citado Parágrafo). Sobre este aspecto, reitera-se que o testemunho dos Srs. Sargento Garrinhas e Capitão Nunes, da G.N.R., serão de extrema relevância.
A propósito do “recrutamento de mulheres” e da “utilização dos quartos do primeiro andar” é suficientemente esclarecedor o parágrafo 4, “Dos factos provados”, deste pedido de revisão.
Quanto ao facto de as mulheres trazerem “consigo droga para consumirem durante a semana”, nunca foi pelo requerente admitido que tal tivesse lugar quando as alternadeiras “iam aos fins-de-semana a visitar família” (veja-se a este propósito as declarações prestadas no T.I.C. pela arguida Sandra Cristina Noronha) – note-se, aliás, que, sendo os fins-de-semana os dias de maior actividade no “Ás de copas”, seria pouco sensato que as mesmas alternadeiras estivessem ausentes nesse período.
Relativamente ao facto de o requerente não ter sabido “explicar convincentemente ao Tribunal o motivo porque foram encontrados na sua posse (e dentro do seu estabelecimento e/ou da cerca do mesmo) os produtos estupefacientes, os objectos e dinheiro apreendidos aquando da busca de 11/10/95” (sobre este assunto deve consultar-se a Análise dos “factos provados”) nem ter sabido “explicar convincentemente ao Tribunal a apreensão ocorrida em 21/04/94”, deve ser referido que quem poderia explicar convenientemente tais ocorrências teriam sido os agentes envolvidos na descoberta desses produtos estupefacientes e objectos – estranha-se, por isso, que somente os agentes envolvidos na apreensão ocorrida em 21/04/94 tenham sido arrolados pela acusação.
Note-se, ainda, que na posse do requerente nenhuma droga foi encontrada – tendo unicamente sido encontrada droga no interior do “Ás de copas”, posteriormente à detenção do requerente.
2) O pagamento dos cento e cinquenta mil escudos não era resultante do aluguer dos quartos do primeiro andar, mas sim do aluguer do estabelecimento situado no rés-do-chão.
3) Não corresponde à verdade que tenha sido a partir do arguido Júlio Realinho que se imputou o crime de tráfico de estupefacientes ao requerente, mas outro sim, a partir das informações do Posto da G.N.R. de Tramagal, bem como daquelas que o sargento Garrinhas prestou ao capitão Nunes que, posteriormente as fez chegar ao M.P., conforme se extrai da acusação deduzida por aquele Magistrado, em confronto com a documentação que sustenta este pedido de revisão de sentença.
4) Sobre esta matéria, convém recordar que a presença da P.J. seria imprescindível em audiência de julgamento, até porque o Amilcar Alves prestou por três vezes declarações na fase do inquérito (tendo numa delas, inclusive, sido espancado). Convém também referir que o Amilcar só compareceu no tribunal porque a P.J. o foi buscar e o levou ao tribunal – estranha-se, por isso, que os agentes da P.J. não tenham tido o mesmo zelo em relação à prestação do seu testemunho. Estranho é também o facto de, em audiência de julgamento, ter tido lugar uma confrontação verbal entre o requerente e o dito Amilcar, com autorização expressa do Douto colectivo, cujo teor não figura no Douto acórdão, mas que, no entanto, poderia ser esclarecedor dos factos.
5) A este propósito cumpre perguntar porque não foram apurados detalhes acerca da intercepção do arguido Armando de Oliveira por forma a permitir esclarecer adequadamente as condições de tal ocorrência – note-se a este propósito que, em audiência de julgamento, foi referido pelos agentes da G.N.R., Miguel de Sousa Cardoso e José Calado Rafael, que a mesma havia tido lugar cerca da hora de almoço, o que se estranha, uma vez que o “Ás de Copas” só abria às 22 horas. De igual modo permanece a dúvida sobre os motivos que terão levado o Douto colectivo a não questionar o arguido Armando acerca dos “outros consumidores de heroína e outras drogas” que, segundo este, se abasteceriam de droga no “Ás de copas”, já que só os mesmos poderiam trazer alguma luz nesta matéria.
Quanto à quantia avançada, para aquisição de droga, pelo arguido Armando (de 2 a 5 mil escudos) o requerente é de opinião que a referência a esses montantes decorre de um possível conluio visando a pessoa do requerente, nomeadamente porque a partir dela se é levado a supor uma articulação com o numerário que o requerente tinha em sua posse quando da sua detenção.
6) Leia-se a este propósito o parágrafo anterior.
7) ...
8) As declarações da testemunha Elisiário Gonçalves, mencionadas neste ponto, são claras quanto, a participação da Ana Cristina Morais no processo.
9) Quanto aos saquinhos e palhinhas referidos pela Ana Cristina, o requerente é da opinião que, tal como nas declarações prestadas pelo arguido Armando, estas declarações visam prejudicar o requerente, nomeadamente fazer recair sobre o ora requerente a posse da droga que veio a ser encontrada em 21/04/94 (em palhinhas) e em 11/10/95 (em saquinhos). Por outro lado, convém referir que o julgamento que envolveu o arguido Armando (o qual ocorreu 2 meses antes do processo pelo qual, o ora requerente, veio a ser condenado, conforme se extrai do parágrafo 67 dos factos dados como provados no Douto acórdão), e no qual eram também arguidos o Pedro Ramos e o Carlos Oliveira, foi o elemento que desplotou a acusação de tráfico de estupefacientes de que veio a ser vítima o requerente – e não, como refere o parágrafo 3 do Douto acórdão (Motivação), o primeiro interrogatório realizado ao também arguido Júlio Realinho – como facilmente se verifica se analisarmos as declarações dos arguidos supra citados na fase do inquérito (conjuntamente com as da Ana Cristina, que havia sido vítima deste processo). Em relação aos arguidos Pedro Ramos e Carlos Oliveira, na altura detidos, (no E.P de Torres Novas), convém referir, que quando chegaram ao tribunal, já a audiência estava no fim, tendo sido informados que tinha sido dispensado o seu depoimento. (Relativamente a esta parte, bom seria apurar a sequência dos factos acontecidos com o guarda Campos e o chefe Carrera, antes e depois da audiência de julgamento). Refira-se ainda, que, tal como o processo de receptação, referido na alínea D dos factos provados, também este foi extraído do processo em epígrafe.
10) Relativamente aos depoimentos das testemunhas referidas (e, particularmente, ao de Teresa Alves Conduto) o Douto acórdão é omisso nalguns aspectos que poderiam clarificar as matérias sobre as quais versaram os respectivos depoimentos.
11) Relativamente a Amílcar Alves, deve ser referido que o mesmo nunca desempenhou funções de guarda no “Ás de copas”, contrariamente ao que refere o Douto acórdão (que, aliás, é omisso relativamente a algumas das afirmações importantes desta testemunha).
12) Estranha-se que as declarações das testemunhas abonatórias do requerente não figurem especificamente no Douto acórdão.
V – CONCLUSÃO
Como se referiu nas Considerações Prévias, o requerente ponderou profundamente na oportunidade deste pedido de revisão de sentença. Fê-lo com a consciência plena de que este é um recurso extraordinário admissível em processo penal, quando posteriores elementos de apreciação podem pôr seriamente em causa a justiça da sua condenação.
No caso vertente, dado que a sua condenação no tribunal de primeira instância, e posteriormente confirmada no S.T.J., é devida, em parte, ao facto do seu então defensor constituído não ter recorrido da matéria ao tribunal competente – que seria o Tribunal da Relação – conforme se lê muito claramente no Douto Acórdão do S.T.J., ao considerar que “escapa ao seu controlo e sindicância a apreciação de matéria de facto no que respeita ao conhecimento do procedimento exterior da prova, isto é, ao modo da sua obtenção”, reportando-se às regras da produção de prova que são, sem sombra de dúvida, diferentes das proibições de prova.
O requerente considera ainda que, depois dos anos já decorridos sobre factos que deram origem à sua condenação, existem agora meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no Procº que o condenou, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação, particularmente no que diz respeito ao crime de “tráfico de estupefacientes” [al. d) do art.º 449º do C.P.P].
O requerente não pretende contrariar o disposto no n.º 3 do art.º 449º do C.P.P., mas tão-somente solicitar a reapreciação das circunstâncias que a motivaram, uma vez que:
a) Através de toda a documentação e meios de prova que reuniu, e apresenta agora junto desse Tribunal Superior, considera que a sua condenação pelo crime de “tráfico de estupefacientes” não passou de um conluio arquitectado contra a sua pessoa, por parte de alguns representantes da autoridade – nomeadamente os Srs. capitão Nunes e sargento Garrinhas –, com o fim de proceder ao encerramento do estabelecimento do ora requerente.
Com efeito, a “descoberta” e “apreensão” de droga encontrada, quer no dia 21 de Abril de 1994 (num “saco de plástico e próximo de um muro da discoteca, tapado de silvas...”), quer no dia 11 de Outubro de 1995 (“...pendurado no muro do quintal, anexo ao edifício...”) nunca poderiam pertencer ao requerente.
b) o requerente considera que não havia elementos probatórios para se dar como provado que os sacos de droga encontrados lhe pertencessem, pelo que está convicto de que o Colectivo que produziu o Douto acórdão o fez baseando-se numa análise parcial das circunstâncias julgadas.
E, como pugna pela sua completa inocência relativamente à posse dos ditos “sacos de droga” – que a seu ver terão sido colocados naqueles locais com a exclusiva finalidade de incriminar o requerente – não pode deixar de solicitar este recurso extraordinário de sentença.
Deste modo, o requerente considera que a matéria “exterior da prova” merece apreciação em audiência de julgamento – pois não esqueçamos que uma boa administração da justiça assenta no testemunho em audiência de julgamento, o que, com o devido respeito não se verificou quando da apreciação das circunstâncias julgadas - conforme se constata da confrontação do conteúdo dos documentos que sustentam este pedido de revisão de sentença, com os factos que se encontram expostos no Douto acórdão.
De V. Ex.
Muito Respeitosamente
Pede Deferimento
Raul Manuel Quina Caldeira da Silva
E. P. Coimbra, 28-01-2002